domingo, 26 de outubro de 2008

Diatribe alcoolizada

Esta é outra diatribe alcoolizada, de como teríamos sido espectaculares noutra incarnação.
"Tu estás apaixonado com a própria ideia de estar apaixonado" disse a minha mente desesperadamente tentando pôr estas palavras de sabedoria na boca da minha paixão, sabendo antecipadamente que ela não satisfaria a minha necessidade do melodramático.
Seria esse o meu consolo, de que somos ambos perfeitos, mas não nesta vida, não agora...
"O agora revela a tua esperança", a mente replica.
Replica? Como odeio essa palavra, palavra standard de escritores sem caché criativo, tenta, por favor, tenta com mais força!
"Bebe mais um copo, agora de companhia, não a censures por beber sozinha"
Nunca a censurei por beber sozinha! Nunca, onde iria buscar moral para fazer tais coisas?
"Não admites que tentaste nesse momento o clássico manobra de Cristo, de quereres carregar a cruz dela? Não me podes mentir!"
Não posso ter um final feliz, um em que em esteja em posse de Luke Skywalker no poster no Return of The Jedi, salvando o universo conhecido?
"Sejamos realísticos!"
Quem disse que temos que ser realísticos, porque é que não me posso agarrar as minhas ilusões?
E desde quando falas com tanto requinte, preferia um merdoso abrasileirado "cai na real", soas demasiado pedante!
"Pedante! Eu sou o tua mente, sou tu, como me podes acusar de ser pedante!
Tu, arrogância sem fundo, cachorro sem dono, puto mal amado. O pedantismo intelectual é a tua cama, minha puta racionalista!"
Racionalista, tiveste fora da cidade por quanto tempo? A minha vida é o improviso de altares á terra, e ela será para sempre o meu primeiro altar á terra, o primeiro verdadeiro altar carnal, sangrento, belo, sem amarras lógicas.
"Mentiras racionalizadas, eu estive sempre aqui, sempre que ela partia, sempre que pensavas que ela podia não voltar, sempre que pensavas que ela era um mito desse suposto sono desfasado, sempre que abrias aquela porta, sempre que sentias aquele aroma era como aquele soco merecido de '97. Racionalizaste o fim, um fim antecipado, por pouco que não o racionalizaste por completo. Dou-te esse osso, cachorro, não racionalizaste por completo, voltaste a ela com o rabo por entre as tuas pernitas, enlameado em desespero narcisista!"
Não voltei a ela, não voltei como um cão, não voltei simplesmente.
Apenas fiz o que tinha que fazer, nunca tive jeito para fugir aos meus impulsos, os meus ameaços criativos são carne para canhão dessa ideia.
No mínimo, voltei a mim.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Gnomos Malévolos

Sinto que quando nasci me roubaram a alma, que uma força invisível, inefável levou-me a alma na calada da noite, a retalhou num altar à terra, tronco de carvalho de outros tempos.
Talvez tenham sido os gnomos de jardim…
Só agora é que percebi, é esse o meu objectivo, construir esse quebra-cabeças que é esta ordem no caos de vida que levo, encontrando dia-a-dia mais uma peça perdida num sorriso, numa voz, num cheiro, num toque e em momentos.
É uma oportunidade, vejo-a bem de perseguir esse gnomo, encontrar partes perdidas da minha alma, é uma maneira de construir.
Mas espera…
Já possuo os contornos, tenho uma ideia da forma, pequenos indícios da direcção.
Sinto uma sensação de dejá vu nestas visões, isto é mais antigo do que penso, talvez a demanda tenho começado noutro momento, e que todas as minhas racionalizações sejam um produto de uma consciência a pouco tempo desperta?
É que, sabes, as minhas memórias de criança são demasiadamente semelhantes as minhas memórias de embriaguez, não sei por quê, tem a mesma distância mental.
É como ver um filme em VHS demasiado gasto, uma K7 demasiadas vezes alugadas, aquele filme que toda a gente quer ver, mas ninguém admite ter verdadeiramente gostado. Pergunto-me por vezes, vezes de mais, o porquê disto. Infância ou álcool, os dois prometem nos tempos felizes, todos se divertem na TV, seja álcool ou uma promoção ao último Action Man.
Tenho medo que sejam sonhos mal recordados, sério que tenho, há demasiadas memórias assim, que a vergonha me impede de confirmar com fontes fidedignas.
Memórias de desgosto, desilusão ou simples insatisfação em relação a promessas não cumpridas.
Ninguém me disse, me avisou que recordar a minha própria vida seria assim tão difícil.
Irrelevante, o que interessa é o processo.
Irrelevante, a minha alma ainda anda a monte.
É que o meu karma veio em negativo, só pode ser isso, a demanda é ainda enorme. A destruição é motivo de progressão emocional, nada zen nos seus momentos maiores.
E ainda a alma foge.
E peças ainda são poucas.

domingo, 12 de outubro de 2008

Caminhos já vistos

Penetro caminhos já vistos.
A minha fome por ti leva-me a cometer indiscrições monumentais, de proporções épicas, tudo para alimentar a fome de brutalidade, carnalidade e loucura.
Não posso, não devo, não me permito a arrastar-te comigo, mas não me importo de ser arrastado por ti, só por ti, só tens que ignorar toda a razão.
Que tal começarmos de novo?
Nomes novos para acções já nomeados de forma sôfrega?
Eufemismos relegados em prole de destemperos imediatos, tão doces na memória.
Um jogo em que ninguém saia ferido, de preferência, pelo menos desta vez, pelo menos neste momento, podemos ainda reescrever o nosso caminho nestas ruas desoladas.
Ainda vamos a tempo?
Ainda sabemos como isto começou, qual foi o momento decisivo que nos fez cair em graça?
Duvido, mas não se perde nada em tentar, em reinventar impulsos de formas mais belas, sem mentir, sem lhes dar nomes comuns.
Palavras ora ditas cedo ou tarde demais, dolorosas quando nunca são ditas.
Não as espero ouvir da tua boca, apenas que as penses, o teu corpo fala por ti.
É só isso que preciso.
Palavras conheço muitas, loucura só a minha.
É só isso que preciso.
Um pouco da tua loucura.
Ainda que…
Alertas-me para a tua estranheza contida, parece que me avisas de uma ponte caída ao fundo da estrada, uma vereda, um penhasco que eu deveria temer.
Será impressão minha ou mais uma expressão tua?
O que eu vejo é o meu medo ou é o teu, verdade que não sei.
Verdade que te quero, mas tenho medo de te afastar no processo.
Ou talvez já o tenha feito.
Vejo o meu desejo amordaçado por racionalismos odiosos mais uma vez, ainda.

domingo, 5 de outubro de 2008

Noite de Lua Cheia

Noite de lua cheia, nem uma nuvem à vista e um céu com toques de sonho narcótico devidamente moderado.
Um gato negro esvai-se nas sombras, pouca luz transporta com ele. Pouco mais acontece à vista, excepto morcegos em voos rasantes, aparentemente ignorando o seu estilo retro-gótico.
O gato atravessa-se de novo no meu caminho. Bela sensação, dejá vu, por um momento julgo possível que exista algo mais no universo. Tento me agarrar a essa ideia sem metafísicas lamechas e comuns, seria fácil de mais, tento o caminho mais difícil, inserir-me no plano cósmico.
Associar estrelas a ideias, forma experimentada de preservar ideias, associar constelações a locais, planetas a pessoas.
Os teus antepassados já o fizeram vezes sem conta, em língua diversas, nomes numerosos como as estrelas nomeadas.
Soa fácil, não soa?
Podia ser, mas não é boa ideia perturbar cães que arrastam as suas correntes.
Podia ser, mas não é boa ideia enquanto tu próprio arrastas corroídas correntes.
O gato aparece uma terceira vez, fico optimista, quase que já não sinto as correntes e este não é local para ser urbano-depressivo. É um local para deambular pelas orlas de bosques, gritando epítetos em línguas malditas, deliciosamente sozinho e alienígena a este local.
E o que poderia pedir mais?
É a escuridão onde me encontro.
O que poderia ver mais?
É um local para encontrar o nada esbatido no tudo.
O que poderia pedir mais sendo um pedinte de beleza?